
A regulação da publicidade de alimentos não saudáveis é apontada por organizações internacionais de saúde como estratégia fundamental para reduzir os impactos da exposição a esse tipo de marketing sobre o comportamento alimentar, especialmente entre crianças e adolescentes, no meio digital. Diversos países ao redor do mundo têm adotado medidas regulatórias com esse propósito, com destaque para alguns da América Latina.
No Brasil, uma proposta da Anvisa está sendo discutida na Justiça há 15 anos. Se ela estivesse em vigor, cerca de 60% das mensagens publicitárias de alimentos nas mídias sociais deveriam veicular alertas sobre o consumo excessivo de alimentos não saudáveis. A conclusão é da pesquisa de doutorado de Juliana de Paula Matos – Regulação da publicidade de alimentos direcionada à criança e ao adolescente no meio digital –, realizada no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina da UFMG.
Juliana analisou as medidas regulatórias da publicidade alimentícia de países como Argentina, Chile, Bolívia e Peru e simulou a presença de suas regras no contexto brasileiro. A legislação argentina se destacou como a mais robusta e restritiva: sob a regulamentação do país vizinho, apenas 26,46% dos anúncios de alimentos veiculados nas mídias sociais no Brasil seriam considerados adequados.
A pesquisadora entende que medidas regulatórias para limitar as estratégias publicitárias são legítimas e essenciais, especialmente em razão do impacto que essa prática tem entre crianças e adolescentes. “Muitos estudos mostram como essa exposição interfere no consumo alimentar. No caso de crianças, essa publicidade gera fidelidade para a vida inteira”, afirma a pesquisadora, que pretende, com os resultados do seu trabalho, contribuir com a agenda da regulação dessa prática.
Cenário regulatório brasileiro
As medidas de regulação da publicidade em vigor no Brasil são o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que proíbe publicidade enganosa (que induz os consumidores ao erro) e abusiva (direcionada a crianças e adolescentes), e a Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que determina quais são os elementos de abusividade. Apesar dessas medidas, infrações são frequentemente encontradas na publicidade de alimentos em diferentes meios de comunicação.
Com o objetivo de regular especificamente a publicidade de alimentos no Brasil, a Anvisa publicou a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 24/2010, que propõe restrições, essencialmente a obrigatoriedade da veiculação de alertas sobre o consumo de alimentos com excesso de nutrientes críticos – como açúcar, gordura saturada, gorduras trans e sódio – e bebidas com baixo teor nutricional. No entanto, essa medida ainda não está em vigor porque enfrenta resistência judicial desde a sua publicação.
Juliana Matos também simulou, no cenário das mídias sociais, os critérios presentes na RDC nº 24/2010. Se as regras criadas pela Anvisa estivessem em vigor, cerca de 60% das mensagens publicitárias de alimentos nas mídias sociais deveriam conter alertas sobre o consumo excessivo de alimentos não saudáveis.
“As legislações que temos hoje são importantes, mas não são exclusivas da publicidade de alimentos, são aplicáveis a qualquer produto. Por isso, é preciso avançar no sentido de fazer valer a regulamentação que existe, mas também aprimorar propostas e criar novas”, defende a pesquisadora.

Setor privado e ambiente digital
O trabalho de Juliana Matos discute as possíveis consequências da não regulamentação da publicidade de alimentos, cenário que favorece a associação do consumo de ultraprocessados com as crianças, por meio de desenhos animados, inclusive no meio digital, em que há ainda mais limitações para o controle das ações de marketing.
Juliana argumenta que um dos principais motivos dos embargos em processos de regulamentação como os que envolvem a RDC da Anvisa é a influência do setor privado sobre a agenda regulatória. Ela informa que grandes corporações de alimentos e do mercado publicitário, que se beneficiam da não regulamentação, moveram ações judiciais questionando a validade da proposta.
A pesquisadora lembra que a resistência do setor privado é um movimento esperado quando se trata de medidas que restringem suas atividades e explica que medidas regulatórias sofreram resistência também em outros países, mas ela foi enfrentada com resiliência e estratégias eficazes. “Um exemplo é o Chile, onde a regulamentação passou por um processo longo e complexo, mas os interesses contrários e os muitos obstáculos foram gradualmente superados”, conta Juliana Matos.
Para Juliana Matos, os entraves impostos para essa agenda no Brasil exigem uma força-tarefa para sua superação. A aprovação de uma legislação com os devidos requisitos técnicos é essencial para a superação dessa pauta. E ainda, segundo ela, propiciaria avançar também no controle das novas formas de publicidade, vinculadas às redes sociais e à ação de influenciadores.
A perspectiva das plataformas é dimensão central na temática da regulação, tendo em vista as particularidades das diferentes mídias. “Na comparação com o Instagram e o TikTok, o YouTube demanda mais regulação, porque ali a publicidade tem grande apelo, inclusive aquela direcionada às crianças e aos adolescentes.”
Juliana integra o Grupo de Estudos, Pesquisas e Práticas em Ambiente Alimentar e Saúde (GEPPAAS), coordenado pela professora Larissa Loures Mendes e pela orientadora da tese, professora Paula Martins Horta. O GEPPAAS tem trabalhado em parceria com organizações da sociedade civil na agenda da publicidade de alimentos e contribui tecnicamente com o Observatório de Publicidade de Alimentos do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), que recebe denúncias sobre anúncios de caráter enganoso ou abusivo.
Fonte: UFMG