No Brasil, a incidência de impostos sobre produtos direcionados ao público feminino, especialmente aqueles ligados à fisiologia das mulheres e ao trabalho de cuidado, é maior do que a tributação de produtos destinados ao público masculino. A conclusão é de uma pesquisa realizada no Programa de Pós-graduação em Direito da UFMG pela advogada Luíza Machado, autora do livro Tributação e desigualdades de gênero e raça, publicado com base em sua dissertação de mestrado. Em 2023, um artigo relacionado ao estudo recebeu o prêmio Orçamento público, garantia de direitos e combate às desigualdades, da Fundação Tide Setúbal.
A pesquisadora fez um levantamento inédito das alíquotas de quatro tributos incidentes sobre produtos ligados à fisiologia feminina e ao trabalho reprodutivo e de cuidado: os impostos sobre produtos industrializados e sobre circulação de mercadoria e serviços (IPI e ICMS, respectivamente), o PIS e o Cofins, que incidem sobre as receitas das empresas e importações de mercadorias e serviços.
“A tributação dos preservativos masculinos é de 9,25%, somando IPI, PIS, Cofins e ICMS, enquanto a dos anticoncepcionais femininos é de 30%. Ou seja, a tributação dos contraceptivos femininos é mais do que três vezes superior à do método contraceptivo masculino”, exemplifica.
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Mulheres negras: as mais oneradas
Um fator determinante observado na pesquisa é a chamada regressividade tributária, que leva pessoas mais pobres a ser submetidas a maior oneração, proporcionalmente, em comparação com as mais ricas. A análise mostra que isso afeta principalmente mulheres negras. De acordo com os dados levantados na pesquisa, quando elas são chefes de família, apenas 9% têm um cônjuge, enquanto entre mulheres brancas 12% daquelas que chefiam os lares contam com um companheiro ou companheira.
A pesquisadora observa que as prioridades nos lares chefiados por homens e mulheres são diferentes. “Especialmente entre mulheres negras, a renda é destinada principalmente a garantir a subsistência da família, para comprar alimentos e medicamentos, por exemplo. Famílias chefiadas por homens brancos, por sua vez, gastam muito mais no aumento do ativo, na compra de imóveis e veículos, em investimentos, na sua própria capacitação, em seguro saúde e de vida, previdência, enfim, eles gastam mais com aquisições”, compara.
Segundo a pesquisadora, uma das contribuições do estudo é evidenciar que o sistema tributário brasileiro não é neutro, contrariando o senso comum. “Quem se beneficia do sistema tributário brasileiro tem cor e gênero, são homens brancos. E quem é mais onerado pelo sistema tributário também tem cor e gênero, são mulheres negras. Não há neutralidade”, enfatiza.
A discussão sobre tributação e gênero foi incluída nas discussões da reforma tributária em andamento no país por iniciativa do grupo de pesquisa do qual Luiza Machado faz parte, na Fundação Getúlio Vargas (FGV).